segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

MANEIRISMO Arnold Hauser

O livro de Hauser é um exemplo (bem) acabado do que deve ser uma obra acadêmica. Temos a erudição e a discussão teórica, a referência às fontes primárias, o meio-termo entre o didatismo e a escrita que supõe um leitor educado, minimamente a par da matéria. Hauser propõe um maneirismo que possui caráter próprio, não simplesmente uma "queda" do classicismo renascentista, mas um estilo orgânico, com um desenvolvimento próprio. Não é possível pensar no período sem a referência ao humanismo e sem algum grau de dependência em relação aos mestres italianos, mas a virtude e talvez originalidade de Hauser está em entender que esta relação não é de subserviência, mas de crítica consciente em relação ao estilo. Num certo sentido, o maneirismo corresponderia a uma maturidade e excessiva racionalidade do humanismo, quando chegamos àquele ponto em que a experiência formal já não é tão necessária, ou seja, as técnicas de base todas já estão dominadas, e entramos na possibilidade do radicalmente novo.

Há uma questão que permeia todo o livro de Hauser, que se refere aos limites e exageros desta experimentação. Ou seja, até que ponto a criatividade tem o direito de transformar o visto, quais são os filhos desta transformação. O período do maneirismo corresponde à época mais poderosa das criações humanas: temos algum Michelangelo, El Greco, Hohlbein, Celini, Tintoretto, além de Cervantes, Shakespeare, os poetas metafísicos ingleses. Outros nomes dificilmente seriam considerados maneiristas fora da obra de Hauser, como Calderón, Maquiavel ou Montaigne. Mas não é a questão das listas que complica a discussão, mas sim o conceito de alienação, que Hauser identifica com a essência espiritual do Maneirismo. A alienação marxista, que começa a se instalar a partir das primeiras experiências com o monetarismo, a economia de escala e a racionalização e reificação das relações de trabalho, estaria por trás do abandono do otimismo e idealismo humanista em favor de uma visão mais cínica (mas muito menos dogmática) da vida, do mundo e dos homens. Sob esta chave Montaigne, Maquiavel e a parte mais satírica da obra de Calderón pertenceriam sem dúvida ao maneirismo. A questão é se é válido utilizar um conceito próprio de uma etapa muito mais avançada do capitalismo para dar conta de uma crise espiritual do século XVI. Hauser fala muito pouco das crises religiosas - que dão conta muito bem de Cellini, do último Michelangelo e de El Greco - e, embora através de Maquiavel, dê conta do surgimento do Estado moderno, é difícil atribuir o novo homem público e a nova subjetividade que estão em Montaigne ou Shakespeare a uma consciência prematura do processo de alienação. Por outro lado, o gênio de Cervantes parece ser consituído por este tipo de consciência.

Há um segundo aspecto do livro para além da discussão sobre história das idéias e que me interessa profundamente enquanto artista plástico que é a decrição cuidadosa e paciente das técnicas de representação do maneirismo. O alongamento da forma e o amor ao erotismo, seu sentido e força, ou seja, o que caracterizaria o "maniere" na história da arte são tratados através de exemplos, detidamente e comcuidado. Hauser não chega a falar de "gozo" no sentido psicanalítico, mas é este o sentido que aos poucos vai surgindo da plástica maneirista.

Após uma leitura do livro de Hauser no entanto, é este o sentido mais forte que surge, o Maneirismo como um momento em que a cultura Ocidental recupera a dimensão do gozo, do Grande Outro, do Sublime, com seus abismos e fogos. A teoria da tragédia de Nietzsche se encaixaria bem aqui, com o Maneirismo sendo um daqueles momentos de encontro entre apolíneo e dionisíaco, um período profundamente formal e auto-consciente de seus instrumentos, a ponto de se obrigar a abordar o abismo.

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